Ainda sou fissurado por um espresso bem tirado: você encosta no balcão, pede um café, o barista mói os grãos na hora e os compacta no porta-filtro, encaixa no grupo e, de olho no funcionamento da máquina, extrai a bebida perfeita: intensa, densa, com a crema cor de avelã, perfumando todo o ambiente.
Mesmo que hoje ainda diversifique bem os métodos – com o tempo, o espresso deixou de ser a minha única paixão, tendo que concorrer com uma relação cafeinada cada vez mais poligâmica –, gosto especialmente do “kick” que uma xícara de espresso me traz. Pode ser psicológico ou até nostálgico (aprendi a gostar realmente de café a partir do método), mas basta verter uma xícara de espresso que eu sinto a cafeína percorrer minhas veias, meu corpo chacoalhar e parece que eu fico um pouco mais pronto pra vida. Meu superpoder está ali, naquela xícara de café servido na hora, expressa.
Expresso – feito na hora
Usei espresso e expresso, onde foi que eu errei? Não sou linguista nem professor de português, mas ouso dizer que não errei em nenhuma das palavras aí de cima, não. Espresso, o café, é grafado no mundo do café assim, com ‘s’, conforme a grafia italiana – os italianos que criaram as primeiras máquinas para se extrair café com pressão. Por anos, aliás, o espresso dominou a cena.
O termo “espresso” também tem a ver com a forma que o café espresso é preparado, a sua mecânica – aliás, entre todos os métodos, é ele que demanda uma maior mecânica, né?! Segundo os linguistas, espresso e expresso advêm de um mesmo denominador linguístico, o do latim exprimere, que pode significar tanto apertar com força ou extrair quanto pronunciar, expressar.
Um café com apuro
Para mim – e para um monte de coffee lovers – o espresso é a melhor expressão do café, a sua quintessência. Nesse método, os controles e a capacidade profissional do barista – ou seja, todos os determinantes para uma boa bebida – precisam estar perfeitos, alinhados. Se algo não está certo, a bebida sai perdendo. É o método de preparação que exige mais detalhamento, mais apuro técnico por assim dizer: é preciso calibrar a moagem, prensar corretamente o pó e extrair a bebida em temperatura, pressão e tempo exatos.
Novos métodos
Não é a toa que o espresso se manteve no reinado por tantas décadas. Hoje, com novos métodos – inclusive mais fáceis de reproduzir em casa, o que é um grande diferencial – ele vem perdendo sua majestade. Por anos, se manteve como a única opção quando se pedia uma xícara em cafeterias, restaurantes e padarias. Hoje, com a tendência dos cafés filtrados, por infusão e mais diluídos, o espresso encontrou grandes concorrentes em bebidas mais suaves, boas para se dividir, que podem valorizar outros atributos e notas sensoriais.
Não troco meu café coado da manhã nem por uma xícara do melhor espresso bem tirado. Mas logo depois da refeição, especialmente do almoço, quando aquela preguiça teima em se aproximar, é uma xícara de ristretto que, tomada quase como um shot, é que recarrega minha energia e põe minha mente de novo no prumo. O serviço é rápido, o efeito é imediato. Expresso, de verdade, só mesmo um espresso.
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Rafael Tonon é jornalista especializado em gastronomia e amante (e produtor) de café. Escreve para diversos veículos no Brasil e no exterior sobre comida, bebidas, tendências e boas xícaras. É colaborador do Eater (www.eater.com), o maior portal de gastronomia dos EUA, e também escreve para veículos especializados em café, como a cultuada revista nórdica Standart.