Relatos históricos dão conta de que o berço do café foi a Etiópia, o país africano que até hoje produz alguns dos melhores grãos do mundo. Teria sido nas montanhas de Kaffa, ao nordeste da África, que a planta se desenvolveu antes de ganhar a Arábia, já no caminho do continente asiático.
Os historiadores acreditam que o café já era bebido ali no século 10 a.C., e depois foi ganhar o mundo com as relações comerciais entre a Abissínia (como era conhecida a Etiópia naqueles tempos) com o Egito e o resto do mundo árabe. Segundo estudos, a primeira rota comercial para os grãos teria sido via o Rio Nilo, que também nasce no país.
Conquista do mundo árabe
Mas foi no mundo árabe que a bebida ganhou força e passou a ser mais difundida – muçulmanos a consumiam em substituição às bebidas alcoólicas, proibidas a eles , por exemplo –, tornando-se mais aceita e, claro, ingerida. Com os seguidores do Islã, se tornou uma forma de garantir as noites em claro de orações.
Foi em algum ponto desse período que os grãos de café foram primeiramente secos, torrados e depois moídos para dar origem ao café tal qual o conhecemos hoje.
Desde então, com o café tendo se tornado uma importante commodity para as nações árabes, que os consumidores trataram de buscar formas melhores de consumir a bebida. Primeiro vieram os locais, as cafeterias da época, como as que se propagaram em cidades como Londres a partir dos anos 1600 – a primeira casa aberta na Europa se deu na capital inglesa, em 1652. No começo do século 18, o consumo de café na Europa atingia índices inéditos.
A cultura do espresso
No mundo todo, de uma maneira geral, foi o café espresso que disseminou o consumo da bebida fora de casa, já que as máquinas de café eram muito caras e difíceis de se ter em casa – como ainda são, aliás. Espresso bars, ou cafeterias especializadas em espresso, apareceram primeiro em 1950 em Londres, Melbourne e São Francisco, além de outras cidades do mundo, claro.
Somente mais recentemente, nos últimos anos, é que as cafeterias, tomando fôlego na Terceira Onda, passaram a apostar também em outros métodos, como o coado, até então visto por muitos baristas como um café muito simples, para se tomar em casa se comparado à pressão e o controle que as máquinas de espresso, cada vez mais desenvolvidas e tecnológicas, podiam oferecer.
Mas com baristas e outros entusiastas por trás do design de criação de novos métodos, inclusive aqueles até então vistos com certo preconceito (por parte de alguns), como os próprios coados, a busca por esses cafés aumentou, já que eles podem oferecer experiências sensoriais muito diferentes das máquinas de espresso, por exemplo. Em busca por uma experiência mais satisfatória, uma nova geração passou a exigir também preparações mais rigorosas em outros métodos – além, é claro, de melhores níveis de qualidade nos grãos, mas isso é papo pra outra hora.
Novos métodos
Os novos métodos trataram de resolver um problema: como misturar o café moído à água para resultar em melhores bebidas. O café em si sempre teve um problema – ele boia quando a água é adicionada a ele. Ao contrário do chá, que sempre afunda, permitindo uma extração muito mais fácil e simples – tanto que os sachês de chá permanecem como sempre foram, poucas inovações foram feitas no universo da bebida por infusão. No café, não. Foi preciso criar novas formas de fazer com que a água (e suas moléculas) interagisse com o café.
Os métodos passaram a se dividir em dois grupos: o café por imersão e o café por percolação (aquele que o pó fica parado e é a água que passa por ele).
Ainda que os primeiros filtros de papel tenham sido criados por Melitta Bentz em 1908 e se popularizado por todo o mundo, facilitando muito o hábito de tomar café em casa, demorou algumas décadas para que outros métodos tão inovadores quanto o criado por ela surgissem, como Moka (em 1933, criada por Alfonso Bialetti), Chemex (1941), Hario V60 (1980) e Aeropress (lançada oficialmente em 2005).
Novas formas de beber café
O que o desenvolvimento desses métodos – entre muitos outros que vieram de carona – comprovaram é que se de um lado havia (e há, cada vez mais, ainda bem!) consumidores dispostos a experimentar novas formas de preparar seu café, por outra há mais e mais especialistas, curiosos e amadores sedentos por saciar sua sede por novidade botando a cabeça para funcionar para cria-los. Nos últimos cinco anos, por exemplo, o mercado de café viu surgir mais métodos do que se supunha existir, segundo dados da SCAA.
Isso explica o surgimento de tantos novos métodos quando se chega a uma cafeteria ou se entra em um site especializado, por exemplo – muitos deles buscando a vantagem de poderem ser comprados por consumidores como eu e você, de forma que possamos colocar seu uso a prova em nossas casas. E explica também o mercado cada vez mais propício para que novos métodos inovadores surjam, como é o caso da Pressca, desenvolvida pelo inventor Gerson Amaro que desenvolveu um método de filtragem reversa para criar a cafeteira portátil.
Movidos pela paixão
Assim como muitos outros novos inventores que estão colocando seus nomes e, principalmente, seus equipamentos e criações no mercado, Gerson é um apaixonado pela bebida que queria somente criar uma maneira de poder consumi-la de uma forma melhor. Tal como os etíopes, que criaram toda uma cerimônia para ingerir a bebida, como os europeus que construíram lugares específicos para apreciá-la, tal como eu e você, que tentamos adequar as medidas e diluições aos nossos gostos de forma empírica, tudo para beber melhor.
Se não fosse a paixão que circunda a bebida e seu universo, dificilmente a planta teria ido muito além das montanhas de Kaffa e ganhado todo o mundo. Foi a paixão que levou e tem levado o café cada vez mais longe, através de novas descobertas. Ainda bem!
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Rafael Tonon é jornalista especializado em gastronomia e amante (e produtor) de café. Escreve para diversos veículos no Brasil e no exterior sobre comida, bebidas, tendências e boas xícaras. É colaborador do Eater (www.eater.com), o maior portal de gastronomia dos EUA, e também escreve para veículos especializados em café, como a cultuada revista nórdica Standart.