A Quarta Onda e o futuro do café

Não é que tenham ocorrido terremotos nas xícaras capazes de reverberar grandes oscilações. Mas as mudanças de comportamento de consumo (e até de produção) do café deram origem ao que comumente chamamos de ondas do café. A Primeira Onda esteve ligada à valorização dos cafés mais tradicionais, com estabelecimentos resgatando o café filtrado. A Segunda Onda teve início com a abertura de redes como Starbucks, com a popularização do consumo da bebida, do início de sua profissionalização.

A Terceira e mais recente – a que estamos vivendo ainda hoje – diz respeito a uma busca de uma experiência mais satisfatória por parte de uma nova geração de consumidores que exige preparações rigorosas, níveis ideais de qualidade, cafés de origem, frutos de comércio mais justo. Com esta demanda, cresceu ainda mais a figura do barista e, mais recentemente, também do mestre de torra, o responsável por lapidar o sabor do grão com o calor… Maior demanda gerou uma maior profissionalização do mercado, um maior conhecimento e até uma maior exigência.

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A próxima onda

Mas e qual será a próxima marola a ganhar força como a nova onda a quebrar na nossa praia? Cada vez mais o cuidado com a produção dos grãos tem ganhado destaque no mundo do café. Os olhos estão voltados para os pés – e como o controle e os processos na fazenda podem influenciar tanto o resultado do que teremos na xícara. Com novos estudos e novas tecnologias empregadas nas lavouras, é cada vez mais possível ter um melhor entendimento dos grãos e, consequentemente, da bebida que tomamos.

Os consumidores ganharam mais protagonismo: com as informações cada vez mais dissipadas,  amantes da bebida passaram a ter acesso ao conhecimento de como preparar uma bebida com qualidade.

Além de poderem ter em casa equipamentos antes restritos às cafeterias (com a democratização de métodos e a acessibilidade contida em muitos deles), é claro.

O domínio do (bom) café torna-se mais democrático, apoiado pela era do conhecimento compartilhado e pela tecnologia mais acessível – de diferentes tipos de cafeteiras e métodos de preparo a torradores domésticos. O consumidor ganha também o domínio de todas as etapas de preparo, não dependendo necessariamente de um profissional da área para fazer, ele mesmo, um bom café. As cápsulas com café de altíssima qualidade, por exemplo, permitiram que pessoas comuns tomem café melhor em casa do que em muitas padarias por aí. E com preço mais baixo!

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O fim da hierarquia

Isso deve mudar cada vez mais o mercado a partir de um ângulo cada vez mais “horizontal”, onde a hierarquia deve perder cada vez mais força – como em todos os campos, vale dizer. O amante de café terá um papel cada vez mais fundamental nessa nova cena, não apenas como consumidor que compra a bebida (e todo o entorno dela), mas também como agente, podendo não apenas fazer a sua própria bebida, como também podendo escolher detalhes dela – região, variedade, método, etc.

O mercado de bebidas avança para um conhecimento dos nossos gostos que poderá resultar em um perfil de bebida que atenda exatamente aquilo que nós gostamos.

O café do futuro deve ser cada vez mais personalizado e acessível. Mais democrático e exclusivo ao mesmo tempo. Pode parecer paradoxal, mas não é (o paradoxo, aliás, é um norte do nosso futuro, e não apenas na xícara). O acesso é o que permite que tudo isso possa conviver junto, em casa ou na melhor cafeteria da cidade.

O maior legado da Terceira Onda foi a elevação de uma qualidade do café: a escolha cuidadosa dos grãos, a torra e os métodos de preparo que visam ressaltar as características únicas da bebida. Nessa nova onda, isso tudo chega ao ápice, mas agora com o gosto do amante da bebida como foco principal. Que venha a Quarta Onda, transformadora e ao mesmo tempo suave, paradoxal como uma xícara de um ótimo café coado.


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Rafael Tonon

Rafael Tonon
 é jornalista especializado em gastronomia e amante (e produtor) de café. Escreve para diversos veículos no Brasil e no exterior sobre comida, bebidas, tendências e boas xícaras. É colaborador do Eater (www.eater.com), o maior portal de gastronomia dos EUA, e também escreve para veículos especializados em café, como a cultuada revista nórdica Standart.