Talvez nunca, como hoje, o café foi tão valorizado. E isso graças a uma nova imagem que a bebida, a segunda mais consumida do mundo – só perde para a água! –, conseguiu tomar para si no decorrer (principalmente) dos últimos anos. Isso porque o café de qualidade, ou grãos especiais, como costumamos dizer, estão gozando de sua maior plenitude.
Na xícara, uma nova horda de bebedores está atenta aos aromas e sabores que cada bebida carrega. Nas cafeterias, baristas e profissionais se desdobram para preparar as melhores doses, com cada vez mais métodos e equipamentos capazes de tornar o trabalho deles mais preciso e melhor. E no campo?
A valorização do campo
No campo talvez seja onde o café, como movimento, tem proporcionado maiores e mais profundas mudanças. Especialmente no Brasil, um país que sempre foi devotado à commodity. Uma nova geração de bebedores mais exigentes fez com que, do outro lado da cadeia, produtores tivessem que apertar o passo e atentar os olhos para grãos melhores, de forma a atender esse novo consumidor de cafés especiais – que se propaga mais rápido que a broca, uma das maiores pragas dos cafeeiros. Mas no caso deles, com um sentido muito positivo, claro.
O consumidor, do seu lado da história, ajudou a fomentar o mercado e dar destaque aos fazendeiros ao exigir cafés melhores.
Foi nos EUA que as primeiras cafeterias voltadas a preparar café de qualidade feito com grãos especiais e atentos aos produtores surgiram, ainda na Calífórnia do movimento hippie, em que as relações humanas precediam qualquer outra. Uma delas foi a Thanksgiving Coffee Company criada por Paul Katzeff e sua esposa, Joan. Como um dos fundadores da Specialty Coffee Association of America (talvez até hoje a mais importante associação relacionada ao café no mundo), ele se aproximou dos cafeicultores, organizou conferências e se apaixonou pela Nicarágua e seus cafés quando visitou o país pela primeira vez, ainda em 1985.
Comércio mais justo
A possibilidade de negociar direto com os produtores, buscando uma relação mais justa de comércio e permitindo uma melhoria econômica daqueles fazendeiros não apenas fez a cabeça de Katzeff (ele era um hippie na Califórnia, afinal das contas), mas criou toda uma nova ideologia envolta nas (nem tão) simples xícaras de café da época.
Hoje, com o boom dos cafés especiais, os olhos do mercado se voltaram para as fazendas, onde a história toda começa. Sem o campo, não tem café frutado e com ótima acidez da cafeteria hipster, afinal. As principais regiões produtoras do mundo (Etiópia, Colômbia, Quênia, Nicarágua, etc., além do Brasil, é claro) passaram – até que enfim! – a valorizar seus principais protagonistas. O elo (até então) mais fraco da cadeia, mas também o mais importante.
Produtor em destaque
A democratização do café de qualidade se voltou mais para o mercado do que para os produtores, mas agora busca se redimir nesse sentido. A onda do café especial traz um foco maior na qualidade e a valorização do produto, que está ligado, claro, ao produtor. Pessoas com mais qualificação que provam o café, por exemplo, conseguem dar um feedback mais completo para o produtor e esse contato é fundamental para ele fazer as devidas mudanças na produção.
É um ciclo que se presta a mostrar o produtor como um artesão. Isso ajuda imensamente na autoestima dele e valoriza a vida no campo.
E o café melhor que você bebe aí ajuda a alavancar essa cadeia, e a fomentar o café brasileiro e de outros países que se destacam por produzi-lo. O consumidor mais informado indica que está mais atento ao que é oferecido e à qualidade em geral, buscando uma forma mais consciente uma boa relação custo/benefício/produtor.
No final das contas, é ele, lá com a mão na terra, adubando, colhendo e secando o café que permite que tenhamos uma xícara com grãos tão especiais como esses que estão sendo servidos nas cafeterias que gostamos de ir. Olhar para o campo com a devida atenção e reconhecimento que ele merece é a nossa forma de continuar podendo ter a chance – e o prazer – de sentir aquele aroma achocolatado e levemente frutado se desprendendo da xicara em busca das nossas narinas. Viva a roça, viva os produtores de café, que em anos de história puderam fazer com essa que estamos contando agora seja tão diferente – e tão mais rica.
Fotos: FAF (Fazenda Ambiental Fortaleza)
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Rafael Tonon é jornalista especializado em gastronomia e amante (e produtor) de café. Escreve para diversos veículos no Brasil e no exterior sobre comida, bebidas, tendências e boas xícaras. É colaborador do Eater (www.eater.com), o maior portal de gastronomia dos EUA, e também escreve para veículos especializados em café, como a cultuada revista nórdica Standart.